Metodologia

Ciprinídeos nativos – riqueza específica

Espécies-alvo

Pontos de amostragem

Metodologia de campo

Amostras

Análises genéticas

Tratamento e análise de dados

Ciprinídeos nativos – riqueza específica

Os rios de Portugal apresentam uma riqueza específica em peixes ciprinídeos nativos variável consoante a sua localização geográfica (Figura 1):

Figura 1 – Riqueza específica em peixes ciprinídeos nativos das sub-bacias amostradas durante o projeto

Tendencialmente, as pequenas sub-bacias costeiras apresentam um reduzido número de espécies. No entanto, é também nestas regiões que se encontram espécies endémicas criticamente em perigo, cuja distribuição está restrita a um escasso número de sub-bacias – é o caso de Achondrostoma occidentale, Iberochondrostoma lusitanicum e de Iberochondrostoma olisiponensis na região centro, ou de Squalius aradensis, Squalius torgalensis e Iberochondrostoma almacai no sudoeste do país.

Nas bacias hidrográficas de maiores dimensões – Douro, Tejo e Guadiana – o número de espécies por sub-bacia é mais elevado, sendo igualmente notório um gradiente crescente da riqueza específica de norte para sul.

O projeto FISHATLAS procurou cobrir todas as principais sub-bacias portuguesas e amostrar todas as espécies de ciprinídeos nativos que nelas ocorrem, como detalhado em seguida.

Espécies-alvo

Foram amostradas 21 espécies de ciprinídeos endémicas da Península Ibérica:

Pontos de amostragem

Com o objetivo de obter a maior cobertura possível do território nacional, foram efetuadas amostragens em 81 sub-bacias do território nacional (Figura 2).

Figura 2 – Localização das sub-bacias amostradas no âmbito do projeto FISHATLAS

Para a concretização de estudos biogeográficos detalhados reveste-se de particular importância poder analisar amostras da mesma espécie recolhidas nos vários afluentes de uma bacia hidrográfica. De facto, devido à reduzida capacidade de dispersão de algumas espécies, populações de afluentes distintos de uma mesma bacia hidrográfica podem estar isoladas há muito tempo. Por outro lado, a paleohidromorfologia dos afluentes de ambas as margens de uma grande bacia é distinta uma vez que as bacias que são contíguas aos afluentes da margem esquerda são distintas daquelas que são contíguas aos afluentes da margem direita, com óbvias consequências para a história evolutiva das espécies que estes cursos de água albergam atualmente.

Metodologia de campo

A amostragem de ictiofauna foi feita com recurso a pesca elétrica, utilizando um equipamento portátil de bateria recarregável. Os troços de rio amostrados foram percorridos a pé, operando o equipamento de pesca em movimentos de zigue-zague de jusante para montante, de modo a assegurar a cobertura de todos os habitats entre ambas as margens.

Como se tratava de uma amostragem direcionada, a extensão percorrida por troço e o número de pontos amostrados por sub-bacia variaram consoante a abundância das espécies-alvo.

A amostragem de uma população considerava-se completa após a captura de 20 indivíduos.

Após a captura, os peixes foram fotografados individualmente e procedeu-se à recolha de uma pequena amostra da barbatana dorsal. A recolha de tecido não envolveu o sacrifício de nenhum animal e todos os indivíduos foram imediatamente devolvidos ao curso de água.

Em todos os pontos de amostragem (fotografados e georeferenciados) foram registados dados físico-químicos da água (temperatura, condutividade, sólidos dissolvidos totais, pH e oxigénio dissolvido) e contabilizado o número de indivíduos pertencente a todas as espécies nativas e exóticas capturadas.

Amostras

Foram colhidas amostras de barbatana a 6016 indivíduos, pertencentes a 348 populações de 21 espécies nativas de peixes ciprinídeos. As amostras foram devidamente identificadas, acondicionadas, organizadas por espécie/população e bacia/sub-bacia de origem, e armazenadas na coleção de tecidos conservados do ISPA.

A informação relativa a cada um dos indivíduos e aos habitats amostrados foi compilada numa base de dados informatizada. As coordenadas geográficas de todos os locais de amostragem foram compiladas numa segunda base de dados e posteriormente integradas em Sistemas de Informação Geográfica.

Para algumas sub-bacias não foi possível alcançar o número mínimo de amostras pré-estabelecido por espécie-alvo (N=20), após várias tentativas infrutíferas de amostragem em diferentes épocas do ano e em pontos de amostragem distintos. Nesses casos, ocorreu uma de duas situações:

1) não foi detectado qualquer indivíduo numa sub-bacia integrante da área de distribuição atribuída à espécie; ou

2) a espécie ocorre em baixas densidades e o número de indivíduos capturado foi muito reduzido. De qualquer forma, estas situações foram assinaladas nos mapas que constituem o Atlas Genético Nacional, por se considerar serem informativas do estado atual das populações. Se, no futuro, for possível completar as amostragens os mapas serão devidamente atualizados com a informação resultante.

Análises genéticas

Foi extraído o ADN das amostras de barbatana conservadas em álcool e posteriormente amplificados e sequenciados três marcadores moleculares: o gene mitocondrial do citocromo b (cytb), o gene nuclear que codifica a proteína beta-actina e o primeiro intrão do gene codificante da proteína ribossomal S7.

As cerca de 13.000 sequências obtidas foram manualmente editadas, com confirmação de cada uma das mutações individuais, recorrendo ao software Codoncode Aligner.

As sequências resultantes da amplificação dos genes nucleares serão utilizadas em estudos filogenéticos e filogeográficos cuja preparação para publicação está em curso. Para a elaboração do Atlas Genético Nacional, foram utilizadas as sequências do gene cytb (fragmento com 720 pares de bases), uma vez que é o marcador genético mais frequentemente utilizado em estudos de peixes ciprinídeos, o que permite o estabelecimento de comparações com estudos pré-existentes. Por outro lado, a taxa de mutação deste marcador é conhecida (estimada em cerca de 1.05% por milhão de anos) e foi devidamente calibrada com recurso a fósseis, possibilitando o cálculo de tempos de divergência entre populações.

Tratamento e análise de dados

Para o mapeamento da diversidade genética das espécies-alvo do projecto tendo em vista a elaboração do Atlas Genético Nacional foi escolhido o índice de diversidade genética (gene diversity), definido como a probabilidade de quaisquer duas sequências escolhidas ao acaso numa população serem diferentes. Os principais critérios que fundamentaram esta escolha foram o facto de se tratar de um índice que traduz a variabilidade de haplótipos numa população e o facto de, por resultar de um cálculo probabilístico, possuir um intervalo de variação conhecido (entre 0 e 1). Esta última característica possibilita o estabelecimento de classes de diversidade comuns a todas as espécies, o que facilita, em termos visuais, a comparação imediata, nos mapas elaborados, da situação em que se encontram populações de diferentes espécies.

A diversidade genética das populações de 17 espécies-alvo do projecto foi mapeada e pode ser consultada nas secções “Atlas Genético Nacional” (mapas) e “Downloads” (dados base). Em cada mapa, as bacias e sub-bacias amostradas por espécie foram coloridas de acordo com o seu nível de diversidade genética, segundo uma escala de cores pré-definida e devidamente legendada. Sinalizaram-se igualmente dois tipos de situações que devem ser tidos em conta: a ausência de indivíduos de uma determinada espécie em bacias/sub-bacias pertencentes à área de distribuição dada para essa espécie (assinalada com dois asteriscos); e um número de amostras colhidas inferior a 15, Invalidando o cálculo do índice de diversidade genética da população correspondente (assinalada com um asterisco), por se considerar que os resultados não seriam representativos.

Das 21 espécies-alvo do projecto, quatro não foram incluídas no Atlas Genético Nacional pelos seguintes motivos:

  1. S. alburnoides era uma das espécies-alvo e foi amostrada no decorrer do trabalho de campo, no entanto, a análise da diversidade genética das suas populações não será integrada no Atlas Genético Nacional, pelo menos nesta primeira fase, uma vez que requer análises mais demoradas. S. alburnoides é um complexo poliplóide de origem híbrida que dispersou de forma natural para cursos de água fora da área de distribuição das duas espécies que lhe deram origem. Assim, nessas populações (nomeadamente as que ocorrem nos rios Mondego, Douro, Sado e Quarteira), alguns indivíduos carregam consigo o ADN das espécies que lhe deram origem, outros cruzaram-se com outras espécies que ocorrem nessas bacias receptoras (passando a integrar ADN diferente do das espécies parentais originais), e outros ainda apresentam uma mistura de ambas as situações (ADN das espécies parentais originais e de espécies com que se cruzaram mais recentemente na sua história evolutiva). É, portanto, uma situação bastante complexa e o mapeamento da diversidade das populações de S. alburnoides no Atlas Genético Nacional, a par das restantes espécies, mostraria resultados cuja interpretação ficaria deturpada por ser impossível tratar esses resultados de uma forma independente de uma explicação detalhada da história evolutiva do complexo e de uma reconstituição das rotas de colonização que este seguiu.
  2. Iberochondrostoma olisiponensis – foram capturados apenas 3 indivíduos puros desta espécie, num único local, os restantes seis são híbridos com a espécie simpátrica Iberochondrostoma lusitanicum. A situação particular desta espécie, com efectivos populacionais muitíssimo reduzidos e em acentuado risco de desaparecimento por introgressão massiva de genes de I. lusitanicum, é abordada num artigo que se encontra em fase final de preparação para submissão;
  3. Achondrostoma arcasii – tal como referido por Robalo et al. (2006), e ao contrário do que era aceite até então por não ter sido ainda estudada a genética das populações portuguesas identificadas como pertencentes a esta espécie, A. arcasii não ocorre em Portugal, motivo pelo qual não foi incluída no Atlas Genético Nacional;
  4. Luciobarbus steindachneri – análises preliminares dos marcadores nucleares indicaram que a validade taxonómica desta espécie pode estar comprometida por, aparentemente, se tratar de um híbrido entre L. comizo e L. sclateri.

Relativamente aos estudos de índole paleobiogeográfica, como se trata de peixes primários, as espécies-alvo do projeto devem ter seguido as mesmas rotas de colonização, à medida que a rede hidrográfica ibérica se foi estruturando e consolidando. Portanto, foram pesquisados padrões filogeográficos concordantes entre espécies. Os tempos de divergência entre populações atualmente alopátricas foram contrastados com datações geológicas conhecidas relativamente à separação das bacias hidrográficas em questão. Para as espécies-alvo com distribuição ibérica, foram incluídos dados referentes às populações espanholas, obtidos a partir de amostragens e sequenciações realizadas nos moldes anteriormente descritos, pela equipa do Dr. Ignacio Doadrio, parceiro do projeto.